22 de setembro de 2009

Jorge de Sena regressou à Pátria



“Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta
Nem pátria minha, porque eu não mereço
A pouca sorte de ter nascido nela.”

Três décadas depois da sua morte, o escritor Jorge de Sena foi sepultado no dia 11 de Setembro, no cemitério dos Prazeres, em Lisboa. A cerimónia de trasladação dos restos mortais do escritor, que morreu em 1978 nos Estados Unidos, decorreu na Basílica da Estrela e contou com intervenções da família, do ensaísta Eduardo Lourenço, do ex-presidente da República Ramalho Eanes, do ministro da Cultura, José António Pinto Ribeiro. Para o ministro da Cultura tratou-se de "sarar uma ferida aberta pela ditadura".
Poeta, dramaturgo, romancista, crítico e ensaísta, Jorge de Sena nasceu em Lisboa a 2 de Novembro de 1919. Por razões políticas, partiu para o exílio, em 1959, vivendo primeiro no Brasil e posteriormente nos EUA. “Saímos para ele escrever sem pensar nos limites que lhe eram impostos”, como explica sua mulher, Mécia de Sena.

Um país de sacanas


Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?
Todos os são, mesmo os melhores, às suas horas,
e todos estão contentes de se saberem sacanas.
Não há mesmo melhor do que uma sacanice
para poder funcionar fraternalmente
a humidade de próstata ou das glândulas lacrimais,
para além das rivalidades, invejas e mesquinharias
em que tanto se dividem e afinal se irmanam.

Dizer-se que é de heróis e santos o país,
a ver se convencem e puxam para cima as calças?
Para quê, se toda a gente sabe que só asnos,
ingénuos e sacaneados é que foram disso?

Não, o melhor seria aguentar, fazendo que se ignora.
Mas claro que logo todos pensam que isto é o cúmulo da sacanice,
porque no país dos sacanas, ninguém pode entender
que a nobreza, a dignidade, a independência, a
justiça, a bondade, etc., etc., sejam
outra coisa que não patifaria de sacanas refinados
a um ponto que os mais não são capazes de atingir.
No país dos sacanas, ser sacana e meio?
Não, que toda a gente já é pelo menos dois.
Como ser-se então nesse país? Não ser-se?
Ser ou não ser, eis a questão, dir-se-ia.
Mas isso foi no teatro, e o gajo morreu na mesma.

(Jorge de Sena, in No País dos Sacanas -1973)

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